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Anos atrás, a primeira canção de Malena Stefano que conheci dizia assim: Eu não tenho medo de ser frágil e vulnerável / Todo amor é um sacrifício / Todo amor é um precipício / É dançar sob os nossos abismos. Existem diversas palavras na voz de Malena que poderiam ser utilizadas como um resumo, um lema, um guia para começar a entender o código do olhar que ela autoriza que se direcione a ela. Sim, em minha humilde identificação, acredito que em nossas particulares e complexas feminilidades nós tenhamos isso em comum: não é qualquer tipo de olhar que vai chegar até aqui, até o meu coração, impune. Você deseja me olhar com maldade? Você deseja me olhar com julgamento? Você deseja me olhar com moralismo? Você deseja o moralismo e deseja me usar como ferramenta de transporte até o seu objetivo? Pois não vai conseguir. A palavra "autorizar", no entanto, nesse contexto, me incomoda. Não é bem essa a palavra, se autorização vem de autoridade. Trata-se, aqui, de outra coisa. Uma integridade que espanta os covardes. Uma imperfeição que espanta os covardes. Dolorosamente eu mesma, como Malena decide intitular o seu website de poemas. 

Há muita celebração sobre a evitação da dor, hoje. Protocolos de segurança que permitem que não esbarremos no sensível do outro, que desviemos do nó entre nós dois e das sombras inerentes à humanidade. Faz sentido que nos seja cobrada a funcionalidade e o contentamento como o significado central de sobrevivência. Uma parte do que é tão bonito no trabalho de Malena Stefano, desde as primeiras canções até seu último álbum Impossível e os poemas compartilhados em Painfully Myself, é uma outra maestria da verdadeira sobrevivência, que se trata da capacidade de sentir o seu próprio coração e engoli-lo. Nem todos podem arcar com tal tarefa, infelizmente, mas a despeito de como funciona a distribuição deste tipo de coragem, eu acredito que trazemos à tona os seus sobreviventes porque existe algo de divino nisso. Algo de acessível e de inspirador sobre tornar-se quem se é e não morrer. É como morrer antes de morrer; saber a dose de um veneno e a forma de utilizá-lo para que que a dor e o desejo e o sonho lavem tudo que não for cru. 

O que parece muito transcendental poderia se esvaziar se não houvesse a materialidade da vida. A conexão com o espírito é feita no cotidiano, nos rituais e até mesmo no que é fútil, graças a Deus. Convido a leitora ou o leitor a entrar nesse microcosmo cardíaco feito de sementes de romã, lábios preenchidos, fontes antigas e garotas aladas.

Amanda Devulsky é uma cineasta e escritora brasileira. A sua prática existe em torno de questões de superfícies imagéticas e da política de ver e ser vista.